A integração vertical foi boa para a Apple, mas não é para todo o mundo

O Google comprou recentemente a fabricante de aparelhos móveis Motorola Mobility e em breve começará a fabricar smartphones e decodificadores para TV. O Kindle Fire, da Amazon, é um tablet que faz a ponte entre o hardware e o comércio eletrônico. A Oracle adquiriu a Sun Microsystems e agora lidera o setor de sistemas de engenharia integrada (aparelhos com hardware e software integrados). Até mesmo a Microsoft, há tempos o principal peso pesado da indústria de software, fabrica agora o hardware do seu Xbox. Os gigantes da tecnologia estão, cada vez mais, se parecendo com conglomerados integrados verticalmente num esforço que se deve, em grande parte, à tentativa de emular o sucesso da Apple.

A integração vertical requer que a empresa controle o produto final e todos os seus componentes. No setor de tecnologia, a Apple lidera há 35 anos o modelo vertical, que combina hardware e software integrados. O iPhone e o iPad, por exemplo, têm hardware e software desenhados pela Apple, que também projetou os processadores de ambos os aparelhos. Essa integração permitiu à empresa ditar o ritmo da computação móvel. “Apesar dos benefícios da especialização, às vezes faz sentido ter todas as etapas debaixo de um mesmo teto”, diz David Hsu, professor de administração da Wharton.

O sucesso da indústria da tecnologia que adota esse tipo de integração não é uniforme. A Samsung, grande conglomerado de tecnologia, prosperou fazendo de tudo, de painéis de LCD a televisores e smartphones. A Sony, porém, que tem tentado combinar conteúdo, TV e consoles de jogos, como é o caso do PlayStation, não encontrou ainda um meio de juntar tantas partes diferentes.

“As empresas querem copiar o modelo da Apple, mas isso não vai acontecer da noite para o dia”, diz Lawrence Hrebiniak, professor de administração da Wharton. Embora as empresas de tecnologia estejam se concentrando em áreas básicas em conformidade com seu negócio principal, Hrebiniak diz que o hardware e o software exigem competências diferentes e know-how em áreas como fabricação, compras e cadeias de suprimentos. Nesse sentido, os desafios dessas empresas serão similares aos desafios com que têm de lidar muitas multinacionais bastante diversificadas quando se veem forçadas a administrar unidades de negócios distintas.

A corrida da indústria da tecnologia rumo à integração vertical talvez seja um equívoco, diz Hrebiniak. Afinal de contas, existe um motivo pelo qual os grandes conglomerados são negociados com desconto em Wall Street: eles são difíceis de administrar. “Os conglomerados podem dar certo quando têm uma linha de negócios, decidem entrar em outra, e deixam que a primeira funcione de forma autônoma”, observa o professor da Wharton. “Se você tenta integrar negócios distintos, perde o foco de tal modo que anula a possibilidade de coordenação.”

Contudo, no caso das empresas sob pressão crescente para que mantenham as taxas de crescimento, entrar em novos segmentos é uma proposta atraente para muitas delas, diz Kendall Whitehouse, diretor de novas mídias da Wharton. Talvez o Google esteja entrando hoje no setor de hardware, mas amanhã pode ser o Facebook. “Será que já não vimos esse filme antes?”, indaga Whitehouse em alusão à ascensão dos conglomerados multinacionais em meados do século 20. A Vivendi, por exemplo, que era uma empresa do negócio de água, passou a atuar também no setor de mídia; enquanto a GE começou como empresa do ramo de eletricidade mas depois expandiu suas atividades entrando em segmentos completamente distintos, como o de forno de micro-ondas e televisão (no caso, a rede NBC, comprada recentemente pela Comcast). “Os conglomerados estão mudando de foco depois de avançarem sobre inúmeras áreas”, observa Whitehouse. “Será que as empresas de tecnologia, hoje em fase de expansão, teriam alguma coisa a aprender com a onda anterior de conglomerados?”

Há também exemplos de empresas de tecnologia que fizeram meia volta e tentam agora retornar a um modelo mais especializado. A IBM, por exemplo, deixou de fabricar PCs e impressoras e hoje se dedica mais à prestação de serviços. “A questão fundamental de toda tentativa de expansão consiste em saber se há sinergias entre as partes”, observa Whitehouse. “Se um produto ou serviço novo se encaixa perfeitamente com o negócio principal da empresa, então será possível explorá-lo com vantagem; caso contrário, é melhor manter o foco.”

De acordo com especialistas da Wharton, os mercados não atingidos pela comoditização, como o da computação móvel, smartphones e tablets, são os que mais se beneficiam da integração vertical. Todavia, tão logo a diferenciação entre os mercados diminui, faz sentido que haja uma abordagem mais especializada — em que cada participante da cadeia de suprimentos tem um papel específico. Hsu observa que antes os mercados de PC e de semicondutores eram integrados verticalmente. Passado um tempo, porém, as cadeias de suprimentos tornaram-se novamente mais especializadas. No caso dos PCs, um conjunto de empresas fabrica agora as diferentes partes da máquina que são posteriormente montadas resultando no produto final: a Microsoft faz sistemas operacionais, a Intel fabrica processadores, a Nvidia produz chips gráficos e diversas empresas fabricam discos rígidos.

Ultrapassando o sentimento de “inveja da Apple”

O Google planeja operar a Motorola Mobility separadamente, como um negócio distinto em estreita vinculação com o sistema operacional móvel Android para smartphones e decodificadores de TV. Para replicar o sucesso da Apple, o Google terá de produzir as principais conexões de hardware e software. “A Apple faz isso muito bem, mas a integração de cima para baixo do hardware e do software já ocorre há mais de 30 anos na empresa”, diz Hrebiniak. Essa integração, que requer uma centralização que é estranha ao Google e a muitas outras empresas, é difícil de conseguir.

A Research in Motion (RIM) comprou a QNX, que produz sistemas operacionais, e está tentando assimilá-la ao hardware de que dispõe — o BlackBerry. Contudo, o lançamento do sistema operacional da RIM, baseado no da QNX, atrasou porque a empresa teve dificuldades com a comercialização do seu tablet, o PlayBook.

Os esforços de integração da Apple ficaram visíveis no momento em que a empresa revelou sua terceira geração de iPad na semana passada. A nova versão terá conectividade 4G, tela de alta definição e um processador mais rápido. Shaw Wu, analista da Sterne Agee, disse em uma nota de pesquisa que a Apple conseguiu introduzir recursos como os de controle de consumo de energia porque controla os componentes do iPad. “As avaliações que fizemos do setor mostraram que a Apple fez grande progressos ao estender a vida da bateria, um fator que é extremamente negativo nos aparelhos da concorrência”, disse Wu. “Isso se explica pelo fato de que a Apple é dona do núcleo intelectual do aparelho, bem como do projeto dos sistemas, dos semicondutores, da química da bateria e do software.”

De acordo com Dan Levinthal, professor de administração da Wharton, o que os concorrentes da Apple invejam de fato é o controle que a empresa tem sobre seu ecossistema. “É importante distinguir entre a motivação para administrar a interface entre o hardware e o software e o desejo de administrar seu próprio ecossistema. Acho que boa parte das iniciativas das empresas se deve ao segundo tipo de motivação”, observa Levinthal, acrescentando que a aquisição da Motorola Mobility pelo Google não foi apenas uma maneira de ganhar controle de várias patentes, mas também de evitar ações legais da Apple.

O Google quer também criar uma experiência para o usuário que seja mais uniforme, e que incentive o consumidor a investir em toda a sua linha de produtos, e não apenas em um ou dois, diz Levinthal. Os analistas dizem que o sucesso da Apple nessa área culminou com uma participação maior de mercado. “Cremos que o ecossistema de software da Apple (inclusive aplicativos de terceiros, iOS e aplicativos da própria empresa) é a chave para o progresso das vendas a longo prazo”, disse Ben Reitzes, analista da Barclays Capital em nota de pesquisa. “É possível fazer muita coisa com o iPad se comparado a outros aparelhos.”

Inovação em risco

À medida que as empresas de tecnologia se esforçam para se tornar mais integradas verticalmente, é possível surjam efeitos colaterais. Por exemplo, Hsu diz que o avanço e o crescimento da tecnologia Android do Google pode se tornar mais lenta se a empresa começar a fazer malabarismos com suas operações nos segmentos de software e hardware. Embora tecnicamente a arquitetura do Android seja de código-fonte aberto, é o Google quem orienta seu desenvolvimento. “A integração do Google com a Motorola Mobility pode melhorar os produtos da empresa, mas há o risco de que o Android não evolua no mesmo ritmo que poderia evoluir sob um modelo especializado.”

Andrea Matwyshyn, professora de estudos jurídicos e de ética nos negócios da Wharton, também tem preocupações parecidas. “A integração vertical é desejável no caso de alguns produtos, mas a indústria da tecnologia exige inúmeros modelos”, diz ela. “Se toda empresa de tecnologia imitasse a Apple, a novidade e a inovação sairiam perdendo em alguma medida.” Afinal de contas, o sucesso da Apple se deve em grande parte a uma estrutura de comando e controle instituída pelo ex-CEO Steve Jobs. Se outros a imitarem, as grandes empresas de tecnologia passariam a dominar as cadeias de suprimentos e a inovação, o que tornaria mais difícil para uma startup criar um produto revolucionário. “Sob alguns aspectos, pode-se dizer que uma maior integração vertical resultaria em menos inovação”, acrescenta Matwyshyn.

A professora da Wharton prevê ainda que muitas empresas de tecnologia que tentam atualmente integrar software e hardware recuarão em poucos anos. “Em dez anos, essas empresas serão muito diferentes”, diz Matwyshyn. “Toda indústria tem períodos em que a integração vertical parece a melhor solução. Alguns anos atrás, a terceirização estava na moda.”

De modo geral, as empresas recuam diante da integração vertical na medida em que os produtos se tornam mais comoditizados. Não se sabe ao certo quando isso deverá acontecer nos mercados de smartphones e tablets, mas o advento desse período será, provavelmente, uma fase difícil para as empresas que tiverem adotado a integração vertical. “O que a Apple fez foi se adiantar à comoditização”, observa Hsu. “A empresa tem vocação para o pioneirismo, o que abre muitas possibilidades.” A questão é que uma estratégia vertical não proporciona vantagens significativas se a empresa não for capaz de ficar à frente da concorrência. Na verdade, a estratégia de integração da Apple no mercado de PC não a ajudou quando teve de enfrentar a Microsoft nos anos 80 e 90.

Em sua condição atual, a Apple encontrou um meio de equilibrar a integração vertical com o modelo de terceirização. A empresa, por exemplo, se concentra no design e na integração, mas a Foxconn, fabricante chinesa contratada para a produção do equipamento, é quem monta iPads e iPhones. Segundo Hsu, a Apple criou um modelo híbrido, em que controla o produto e a cadeia de suprimentos, mas usa o serviço de terceiros em muitas áreas. Além disso, prossegue o professor, a Apple é tão grande que pode ditar os termos a seus contratantes — uma vantagem que outras empresas de tecnologia não têm como igualar.

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