Diversificar ou não diversificar: riscos que enfrentam as empresas que querem expandir suas atividades

A Amazon planeja comercializar recursos para usuários de computador da mesma forma como uma companhia elétrica comercializa energia. O Google está preparando um suíte de softwares de produtividade conectado à Internet com a intenção de desbancar a Microsoft. O Yahoo lançou ou adquiriu um número tão grande de empreendimentos que eles agora correm o risco de concorrer uns com os outros.

No caso dessas grandes empresas online, tais esforços podem resultar em novas áreas de crescimento e em incursões inteligentes dos mais diversos tipos. Todavia, podem também resultar em meras distrações dispendiosas. A questão que se coloca é a seguinte: deve a empresa restringir sua atuação exclusivamente às suas competências principais, ou deve ela diversificar suas atividades para não ser ultrapassada pela concorrência, ou quem sabe até superá-la? Especialistas da Wharton dizem que essa é uma das questões mais ardilosas que se colocam diante das companhias de Internet, já que os obstáculos de entrada nesse segmento são pouco significativos para os mais diversos modelos de negócios online

“O que há de específico em relação às empresas online é que o custo de ampliação das atividades para áreas próximas de atuação pode ser substancialmente menor do que no mundo físico”, observa Kevin Werbach, professor de Estudos Jurídicos e de Ética nos Negócios da Wharton. “Dada a flexibilidade do ciberespaço, a pergunta que se deve responder é a seguinte: que tipos de ampliações oferecem sinergias compatíveis com o negócio principal da empresa, e quais seriam tangenciais? A resposta a essa pergunta força efetivamente as empresas a avaliarem suas verdadeiras vantagens competitivas.”

Contudo, detectar tais vantagens não é algo tão fácil quanto possa parecer, observa Sarah Kaplan, professora de Administração da Wharton. De acordo com a teoria clássica da administração, as empresas devem procurar utilizar o conhecimento ou os ativos de que dispõem para a geração de retornos. Mas, atenção: é extremamente difícil identificar que ativo deve ser utilizado — relacionamento com o cliente, design do produto ou competência de fabricação. Enquanto isso, a empresa deve procurar equilibrar as exigências próprias de gerir seu negócio atual com as demandas operacionais do novo empreendimento. “Em um mercado em rápida transformação, é preciso inovar e diversificar para se manter atualizado; por outro lado, existe o risco de uma diversificação exagerada”, diz Kaplan.

Outra dificuldade: as empresas que tentam se expandir muito depressa correm o risco de se esgarçar, observa Lawrence Hrebiniak. “Esse tipo de empresa acha que deve fazer alguma coisa, mas não obedece às regras básicas de planejamento, execução e lógica estratégica.”

Não se sabe ao certo se o Google, a Amazon e o Yahoo terão sucesso em suas estratégias de diversificação, mas nenhum deles parece intimidado diante dos desafios de novos mercados.

Podem-se apontar os seguintes esforços em andamento atualmente:

  • A Amazon está sublocando a infra-estrutura que utilizou para se transformar em gigante mundial do comércio eletrônico. A empresa tem, por exemplo, dois serviços: o EC2, ou Elastic Compute Cloud, e o S3, Simple Storage Service, que disponibilizam recursos de computação e armazenamento online mediante solicitação do usuário, respectivamente. Os serviços são comercializados como se fossem serviços públicos, em que o cliente paga apenas pelo recurso de computação ou pelo armazenamento de dados utilizados. Exemplo de preços: a Amazon cobra 15 cents por gigabyte ao mês para o serviço de armazenagem, e mais 20 cents por gigabyte pelo deslocamento de dados que entram ou saem dos centros computacionais da empresa.
  • Em outubro, o Google anunciou o lançamento do Google Docs e do Spreadsheets, um suíte de softwares online que, no fim das contas, pode vir a ser concorrente direto do Office da Microsoft. Trata-se de um conjunto de programas que “facilita a criação, o gerenciamento  e o compartilhamento de documentos e de planilhas online”, conforme pronunciamento da empresa. “O software hoje instalado no desktop será substituído por serviços disponíveis na Internet, que permitirão ao usuário escolher o formato dos documentos, as ferramentas de pesquisa e os recursos de edição que melhor atendem às suas necessidades”, disse Eric Schmidt, CEO do Google, em recente entrevista a Economist.
  • Além de criar serviços online próprios, o Yahoo adquiriu uma série de empresas como a Flickr, um site de compartilhamento de fotos, e o del.icio.us, um site que organiza e permite o compartilhamento de links favoritos de Internet, entre outras coisas. Contudo, em um memorando recente — batizado de “Manifesto da Manteiga de Amendoim” — que vazou para o Wall Street Journal, Brad Garlinghouse, vice-presidente sênior do Yahoo, lamentou o fato de que “falta à empresa uma visão mais focada e coesa […] Já descreveram nossa estratégia como uma espécie de manteiga de amendoim esparramada sobre uma miríade de oportunidades que continuam a se desenvolver no ciberespaço. Resultado: uma fina camada de investimento esparramada sobre tudo o que fazemos, mas sem foco em coisa alguma”. Talvez estimulado pelos problemas apontados no memorando, o Yahoo decidiu anunciar no início de dezembro uma reestruturação em três de suas principais unidades, além de reorganizar a hierarquia gerencial para agilizar as tomadas de decisões.

Eric Clemons, professor de Gestão de Operações e de Informações, observa que o dilema do Yahoo mostra o que pode acontecer quando uma empresa se expande a tal ponto que acaba perdendo o foco. Há, inevitavelmente, decisões ruins, sobretudo em se tratando de aquisições que desviam recursos da missão principal da empresa. “Toda e qualquer aquisição requer uma lógica profunda por trás”, diz.

Para Clemons, por exemplo, o empreendimento da Amazon no segmento de recursos para usuários de computador não passa de um desvio desnecessário. “O negócio principal da empresa já é muito complicado”, diz ele. “Há tanto o que fazer na área tradicional de abastecimento do varejo online. Se eu fosse um executivo da empresa, diversificaria as atividades da Amazon no segmento do varejo em vez de tentar comercializar serviços para computadores.”

Contudo, Kendall Whitehouse, diretor sênior de TI da Wharton, diz que a adesão a uma linha única de negócios pode limitar as oportunidades, principalmente se os novos empreendimentos servirem para alavancar as principais competências da empresa. “Embora a empresa possa ampliar suas atividades até quase se esgarçar, a diversificação pode ser de importância fundamental para a manutenção de uma vantagem competitiva em relação a outras empresas em rápida expansão na Internet”, diz Whitehouse. “A Amazon passou de livros a produtos eletrônicos, vestuário e agora armazenamento de dados. Fica a pergunta: qual o negócio principal da empresa? Venda de livros ou comércio eletrônico? Se for o comércio eletrônico, talvez a disponibilização de recursos de computação constitua apenas uma extensão de sua linha de negócios. A Amazon investiu pesado no desenvolvimento dessa infra-estrutura. Por que não ampliar ainda mais sua utilização?”

Quando a expansão faz sentido

A Amazon, o Google e o Yahoo têm características únicas a considerar quando se analisa uma possível estratégia de diversificação. Kaplan diz que o desafio consiste em descobrir a característica certa que permita à empresa atuar em outro segmento. “O problema é que só depois que as coisas acontecem é que vemos com clareza o que poderia ter sido feito.” Em suma: a Amazon, o Google e o Yahoo devem prosseguir com suas experiências em novos mercados para não ficarem desatualizadas em relação à concorrência, observa.

Clemons acrescenta que a diversificação pode pôr fim a muito senso comum. Ele diz que todas as empresas precisam fazer três coisas quando expandem suas atividades: em primeiro lugar, descobrir sinergias naturais que levem ao crescimento. Um exemplo disso foi a ampliação das atividades da Amazon de livros para DVDs e música. Em segundo lugar, trabalhar com ações de preços elevados, conforme fez o Google quando comprou o YouTube por meio de ações orçadas em 1,6 bilhão de dólares. Por fim, pense bem antes de entrar em mercados dos quais você não entende. Clemons diz, por exemplo, que não há garantias de que o Google tenha lucro com o YouTube, e até possível que sofra da chamada “praga do vencedor”. A empresa ganhou uma guerra disputadíssima pelo YouTube, mas avaliou muito mal o bem adquirido no decorrer do processo, diz Clemons.

Hrebiniak salienta que a due diligence (investigação criteriosa das operações de uma empresa) e a análise competitiva também são importantes. Se uma empresa de Internet estende suas atividades para um mercado por meio de um produto de fácil reprodução, é pouco provável que venha a ter lucro”, diz.

Diversificar por diversificar não faz muito sentido, mas é importante que as empresas continuem a pensar no futuro, acrescenta Werbach. No caso da Amazon, ele nota que a empresa “entendeu que deve atuar basicamente como motor de transações online, que pode ser utilizada como plataforma para outras empresas ao mesmo tempo que fortalece as lojas da própria Amazon”. Por esse prisma, o empreendimento da empresa focado em recursos para computação não parece tão disparatado assim. “A Amazon não está diversificando; está apenas liberando o potencial daquilo que já construiu, redirecionando suas atividades”, avalia Werbach.

O raciocínio do Google, porém, é diferente, observa Werbach. Seu império foi erguido sobre um negócio apenas — fazer a ligação entre usuários de Internet e anunciantes em busca de vendas. Embora esse tipo de negócio esteja em pleno crescimento atualmente, o Google precisa encontrar outros no futuro. “A empresa   não quer faturar com um negócio apenas. Por isso, tem procurado, com muita sabedoria, expandir seus negócios para áreas vizinhas”, como, por exemplo, a colocação de tipos diferentes de anúncios em outros lugares, além de buscar novas oportunidades que possam tirar proveito de sua infra-estrutura e base de usuários, inclusive de aplicativos de produtividade na Internet”, observa Werbach. “Esses novos empreendimentos precisam apenas gerar tráfego. As competências principais do Google consistem em dimensionar os sistemas para que administrem esse tráfego, convertendo-o em capital.”

Se excluirmos os detalhes próprios do negócio, veremos que o Google se parece muito com a Microsoft — uma empresa que gera praticamente todo o seu lucro com base em um ou dois negócios (anúncios em forma de texto, no caso do Google; e Windows e Office, no caso da Microsoft) —, observa Werbach, acrescentando que ambas as empresas sabem que seu negócio principal “não será uma galinha de ovos de ouro para sempre”.

O Yahoo está diante de um conjunto distinto de desafios. A empresa não dispõe de um fluxo de receitas principal e funciona mais como um “canivete suíço” da Internet — o que é tanto uma vantagem quanto uma desvantagem, avalia Werbach. “O objetivo do Yahoo consiste em construir relacionamentos com o maior número possível de usuários; em seguida, aprofundar esse relacionamento de tantas maneiras quanto for possível. Seu desafio consiste em diversificar as oportunidades o máximo que puder, mas não muito.” Enquanto isso, o plano do Yahoo de dividir seu negócio em três unidades principais é um esforço no sentido de melhorar a experiência do seu público, dotar os anunciantes de outros meios de atingir o consumidor e construir plataformas de tecnologia para competir melhor com o Google.

Kaplan se mostra otimista em relação aos esforços de expansão do Google, acrescentando que a empresa tira proveito de suas relações com o cliente para vender mais anúncios. Não se sabe ao certo se o Google conseguirá lucrar com novos empreendimentos,  como o Google Docs e o Spreadsheets, mas a estratégia poderá funcionar se a empresa reforçar a atuação do motor de lucro principal da companhia — a venda de anúncios pela Internet, diz Kaplan.

Calculando os riscos

O maior risco para a expansão do Google é a complexidade. “Dada a situação do mercado, o Google tem de atirar para todo lado. A desvantagem de tudo isso, porém, é o grau de complexidade que acaba transbordando para o usuário e a administração”, observa Kaplan. “Se você diversifica demais, pode desviar a atenção da gerência.” Novos negócios costumam exigir novos modelos econômicos, principalmente se a comercialização de softwares resultar em algo diferente da comercialização de anúncios em forma de texto através de buscas.

Hrebiniak vê também na expansão uma espada de dois gumes. Se a diversificação produzir bons resultados, a empresa crescerá rapidamente. Por outro lado, com a expansão pode-se “começar a fazer uma porção de coisas ao mesmo tempo, dificultando o controle das atividades. No final, a empresa pode acabar perdendo sua competência principal. Não se deve ampliar as atividades da companhia de uma forma tal que se perca o foco no consumidor”.

A Amazon enfrenta uma série de riscos diferentes, diz Kaplan. A exemplo de Clemons, ela argumenta que os esforços da empresa para vender serviços de computação e de armazenamento não tiram proveito das características específicas do comércio eletrônico praticado pela companhia. “O que há de específico aqui?”, indaga Kaplan. “Qualquer um pode oferecer recursos de computação.”

Embora Werbach diga que a Amazon esteja apenas aproveitando a infra-estrutura existente, Kaplan observa que o argumento foge ao que realmente interessa. A maior desvantagem, no caso da Amazon, diz ela, é que os clientes passam a depender da infra-estrutura da companhia. Esse fato limitará a capacidade de adaptação da Amazon. “E se a empresa quiser mudar seus sistemas? Não será possível, porque haverá clientes amarrados aos serviços oferecidos. É um risco extremamente perigoso.”

Além disso, os novos negócios da empresa terão modelos econômicos que talvez requeiram a introdução de novos processos e da atenção da administração. Em outras palavras, o negócio da Amazon se tornará mais complexo.

Com relação ao Yahoo, a necessidade de reestruturação da empresa ressalta os perigos da complexidade. Em razão de uma série de aquisições, a empresa pode estar competindo consigo mesma em diversas áreas como, por exemplo, no compartilhamento de fotos e de vídeo online. Sob alguns aspectos, os atuais problemas do Yahoo mencionados no memorando “Manteiga de Amendoim” resumem-se em maior complexidade, diz Kaplan, acrescentando que talvez as dificuldades da empresa constituam apenas uma antecipação daquilo que a Amazon e o Google vêm enfrentando.

No mundo em rápida transformação dos negócios online, a Amazon, o Google e o Yahoo talvez estejam, conforme diz Kaplan, “fadados ao fracasso se não diversificarem, ou mesmo se decidirem diversificar”, à medida que procuram evitar o duplo perigo de perder o foco ou deixar de explorar novas oportunidades. “Uma coisa, porém, é certa: elas não podem ficar paradas”, observa Whitehouse. “Quer estejam explorando os mercados em que atuam, quer ampliando suas atividades em novos mercados, a empresa de Internet que não estiver fazendo algo em relação ao futuro será eclipsada por outra com mais pressa.”

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