Divisão de papéis: CEO e presidente, reforma ou dissimulação?

Talvez haja bons motivos, calcados em circunstâncias específicas, para que as empresas atribuam os papéis de CEO e de presidente do Conselho a duas pessoas diferentes.  Para os docentes da Wharton, porém, não há evidências de que a separação destas funções, como princípio filosófico geral, contribua de algum modo para a melhora do desempenho da empresa.

Muitos dos que advogam a melhoria da governança corporativa afirmam que as posições de CEO e de presidente do Conselho não devem ser ocupadas pelo mesmo indivíduo, já que isso acarretaria uma concentração muito grande de poder nas mãos de um único executivo, culminando com o provável entrincheiramento do CEO e com um desempenho final pouco satisfatório. Os vários escândalos corporativos vindos à tona desde 2001 deram novo ímpeto a esse ponto de vista, embora as posições de CEO e presidente do Conselho fossem ocupadas por pessoas diferentes tanto na WorldCom como na Enron, o que não impediu que ambas as empresas enveredassem por caminhos tortuosos.

Os números mostram que um número cada vez maior de empresas vem separando a função de CEO da função de presidente do Conselho, embora não se trate de uma tendência generalizada. Em março, a Corporate Library, uma organização defensora da boa governança, publicou os resultados de uma pesquisa segundo a qual uma mesma pessoa ocupa ambas as posições na maior parte das empresas americanas — 377 destas empresas integram o índice Standard & Poor’s 500 — ou seja, 17 empresas a menos em relação ao ano passado.

“Com relação à divisão de papéis, não há evidências acadêmicas de que seja uma alternativa positiva”, observa Andrew Metrick, professor de finanças. “As evidências que temos mostram que é importante que o CEO esteja ciente de que deve se reportar ao conselho, e que não lhe cabe controlá-lo com se tivesse poderes absolutos sobre ele”. Diversos pesquisadores estudaram o tema, acrescenta Metrick, mas não foi possível chegar à conclusão definitiva de que a divisão de papéis afeta de maneira positiva o desempenho financeiro. “Grande parte da dinâmica que gostaríamos de capturar de fato não aparece com tanta facilidade nos dados. Há uma tendência em favor da independência do Conselho; todavia, tal independência é um conceito muito pouco consistente.”

De acordo com Metrick, a ênfase que se coloca na separação das funções de CEO e de presidente do Conselho é, em grande medida, equivocada, porque há outras formas possíveis de independência como, por exemplo, a realização de reuniões em que o CEO esteja ausente.

“Há um esforço generalizado no sentido de se criarem parâmetros que permitam avaliar a governança corporativa”, assinala David F. Larcker, professor de contabilidade. “Para isso, não faltam índices de desempenho [compilados por grupos de defesa dos acionistas], mas a governança é difícil de mensurar. Uma proposta que vem respaldada por muita publicidade estabelece a divisão de papéis entre a presidência do Conselho e a chefia executiva da empresa. Na minha opinião, isso não passa de fachada decorativa sem substância maior.”

Michael Useem, professor de administração e diretor do Center for Leadership and Change Management (Centro de Liderança e de Administração de Mudanças), da Wharton, observa que alguns estudos estatísticos compararam empresas onde a mesma pessoa exerce a função de CEO  e de presidente do Conselho com empresas onde uma mesma pessoa ocupa ambas as posições. A pesquisa, que também levou em consideração outros fatores que podem afetar o desempenho financeiro, mostra que separar ou não as duas funções “nada tem a ver com o desempenho financeiro da empresa”, observa Useem.

De acordo com Robert E. Mittelstaedt Jr, vice-deão e diretor de Educação Executiva da Wharton, a experiência mostra que é difícil provar que a divisão de funções resulta sempre em uma melhora do desempenho. “Não há uma resposta precisa que possa ser aplicada a todos os casos”, explica. “Muita gente acredita que, com a divisão, pode-se ao menos distribuir um pouco mais o poder e, de certa forma, minimizar a possibilidade de um escândalo. Isto, porém, não significa que os negócios devam melhorar”. Na verdade, ao dividir as funções, as empresas correm o risco de minar sua capacidade de criar e implementar estratégias. “Não digo que seja sempre assim, mas é preciso que os conselhos analisem com bastante cuidado esta questão antes de pôr em prática a divisão de funções.”

Algumas empresas bastante conhecidas decidiram recentemente separar as posições de CEO e de presidente do Conselho por várias razões. Tom Siebel passou o título de CEO da Siebel Systems para o ex-executivo da IBM, J. Michael Lawrie. Os acionistas da Disney retiraram de um Michael Eisner bastante acossado por todos os lados o título de presidente do Conselho e o deram a George Mitchell, ex-senador dos EUA. Michael Dell anunciou que passará brevemente a função de CEO para seu chefe de operações, Kevin Rollins. Na Oracle, Jeff Henley, chefe de operações, foi nomeado presidente do Conselho, ao passo que Larry Ellison permanece na posição de CEO. Em um caso anterior, bastante alardeado, o presidente e CEO da Microsoft, Bill Gates, passou as rédeas executivas da empresa para o velho colega Steve Balmer, em 2000.

Há, contudo, exceções recentes a esta tendência. Scott McNealy, presidente, CEO e diretor-superintendente da Sun Microsystems, anunciou que Jonathan Schwartz assumiria o cargo de presidente e chefe de operações, mas não seria guindado à posição de CEO. O conselho da Coca-Cola, por sua vez, rejeitou a proposta de divisão de funções.

Especialistas da Wharton dizem que não é de surpreender que um mesmo indivíduo ocupe as posições de CEO e de presidente do Conselho em cerca de quatro quintos das empresas americanas, já que se trata de uma tradição antiga. No Reino Unido, ao contrário, a norma reza que executivos não devem ocupar a presidência do conselho. Na verdade, de acordo com especialistas da Wharton, um executivo que se candidatasse à posição de CEO em uma empresa americana não aceitaria o cargo a menos que lhe fosse concedida igualmente a presidência do Conselho.

Há diversas outras razões, à parte as tentativas de melhorar a governança, pelas quais as empresas optam por separar as funções em questão. “Se você está sob pressão porque a governança foi considerada insatisfatória, ou porque seu desempenho foi considerado inócuo ou em declínio, uma saída muito fácil consistiria na separação destes papéis. Isso talvez acalme as pessoas e faça com que aliviem a pressão sobre você durante algum tempo, até que as coisas estejam em ordem”, observa Lacker.

Boeing, GM e eBay

Useem concorda que a divisão de funções pode ajudar a empresa a tomar um novo rumo. À luz dos escândalos recentes e das diretrizes de governança segura emitidas pela Bolsa de Valores de Nova Iorque e pela Associação Nacional de Operadores de Títulos Mobiliários, “são muito fortes atualmente os argumentos favoráveis à separação de funções”. Useem acrescenta que a maior parte das empresas que optou pela separação de funções tomou essa decisão por causa de dificuldades várias ou porque tinham pela frente um grande desafio sucessório no plano executivo.

Como exemplo, Useem cita a Boeing onde, em dezembro de 2003, o presidente e CEO Phil Condit foi obrigado a deixar ambas as funções, sendo substituído por duas pessoas: Harry Stonecipher, nomeado diretor-superintendente e CEO, e Lew Platt, ex-presidente e CEO da Hewlett-Packard, nomeado presidente do Conselho. O Conselho da General Motors fez uma mudança semelhante quando a empresa passava por dificuldades, em 1992, ao substituir seu presidente e CEO por duas pessoas. Alguns anos depois, quando o desempenho da empresa havia melhorado, ambas as funções foram atribuídas novamente a uma única pessoa.

“O caso da GM resume bem o que penso sobre o assunto”, observa Useem. “De modo geral, não faz muita diferença do ponto de vista do desempenho financeiro se uma empresa distingue ou não uma função da outra. Quando uma empresa atravessa um momento difícil, o mercado requer que as funções executiva e de presidência sejam exercidas por duas pessoas diferentes. Isto funcionaria como sinal de boa governança e de comprometimento com a restauração do brilho perdido e dos ganhos que o acompanham.”

Em geral, a separação de funções faz sentido quando não há dificuldades à vista. Na eBay, o fundador da empresa, Pierre Omidyar, é presidente do Conselho, enquanto Meg Whitman tem a função de CEO. “Aí está uma empresa que não sabe o que é um apuro”, observa Useem. “A exemplo de todo bom presidente de Conselho, Omidyar ali está para se ocupar de estratégias e para aconselhar Meg Whitman, que dirige de modo exemplar a empresa. Dependendo da situação, a existência de um presidente sem outras atribuições pode ser apenas reflexo da história específica de uma determinada companhia, bem como expressão do desejo do fundador de permanecer envolvido nos negócios.”

Uma outra ocasião em que pode fazer sentido separar as funções ocorre quando um novo CEO é nomeado. Nestes casos, não é incomum que o presidente/CEO continue por mais algum tempo na função de presidente do Conselho até que outra pessoa venha substituí-lo. “Isso torna a transição mais fácil, porque permite ao novo titular da posição acelerar o trabalho a ser feito”, explica Mittelstaedt.

Mittelstaedt acrescenta que, às vezes, a divisão dos papéis pode não diminuir a influência do executivo. “Se for uma empresa em que o fundador continue na ativa, como Siebel, pode até acontecer de ele passar para uma outra pessoa a função de CEO, mas ninguém se engane: ele continua a dar as ordens”, assinala Mittelstaedt. “Trata-se de um divisão de funções pro forma, uma vez que, por sua própria  personalidade, dificilmente o fundador abrirá mão do comando. É o que acontece na Microsoft. Gates e Ballmer têm papéis distintos na empresa, mas como atuaram sempre juntos durante muito tempo, continuam a fazê-lo ainda hoje. Com a divisão, vieram novas responsabilidades, porém Gates continua a desempenhar funções diárias na Microsoft, sobretudo no que se refere ao desenvolvimento do produto.”

CEO e Conselho devem trabalhar em harmonia

Apesar de não haver evidências incontestáveis de que a separação de papéis proporciona retornos para o acionista, vale a pena as empresas refletirem sobre esta possibilidade, observa John Percival, professor adjunto de finanças. “Na condição de acionista, não gostaria que o CEO de minha empresa fosse também presidente do Conselho”, diz Percival. “Creio que o conselho deve representar os interesses dos acionistas da empresa […] Cabe ao seu presidente fazer alguns questionamentos importantes como, por exemplo, por que a empresa tem se comportado desta ou daquela forma, agindo assim como caixa de ressonância para o CEO.”

Percival questiona se há profissionais com experiência bastante para desempenhar o papel de presidente que ele imagina. “É preciso que seja uma pessoa realmente especial, com experiência à frente de uma empresa, de preferência em um negócio semelhante, capaz de prestar o tipo certo de consultoria e que tenha credibilidade, para que sua liderança não seja contestada pelo restante do Conselho. Nem sequer imagino onde encontrar essa pessoa. O ceticismo é uma arma que o presidente deve ter à mão — ele deve ser cético, não cínico, alguém que não concorde simplesmente com tudo o que o CEO diz. Nenhum líder gosta de ser questionado. A melhor maneira de evitar que isso aconteça é ser presidente e CEO a um só tempo”. De acordo com Percival, se não for possível encontrar a pessoa certa, independente e forte, para o cargo de presidente, será “melhor para a empresa que o CEO seja também presidente do Conselho”.

Nos próximos anos, a questão da divisão de papéis entre CEO e presidente do Conselho será menos importante na medida em que os conselhos adotem outras formas que lhes permitam fortalecer sua independência e lhes dêem condições de caminhar lado a lado com CEOs mais obstinados, é o que pensa John Core, professor de contabilidade.

“O processo de mudanças por que passam os regulamentos têm como objetivo permitir a supervisão cada vez mais intensa de conselhos de administração independentes, de tal modo que a idéia de divisão de papéis seja alcançada de outras formas”, assinala Core. “Se a atribuição das funções de CEO e presidente do Conselho a duas pessoas diferentes conferir independência aos diretores, não há por que pôr em dúvida sua utilidade. Há, contudo, outros eventos que tornam tal divisão menos importante. A Bolsa de Valores de Nova Iorque e a Nasdaq já começam a requisitar dos diretores externos que se reúnam separadamente. Estas reuniões de diretores externos, alheios à administração, têm como resultado a divisão das posições de CEO e de presidente do conselho, uma vez que permitem aos diretores não-administrativos estabelecer programação própria e supervisionar de forma independente a empresa. Em primeiro lugar, não me parece muito claro se é de fato necessário que as posições de CEO e presidente do Conselho sejam ocupadas por pessoas diferentes. Em segundo lugar, à medida que tais regulamentos forem se tornando cada vez mais imperativos, é provável que a divisão de papéis se torne menos importante ainda.”

Larcker e Useem prevêem que somente um número reduzido de empresas persistirá na divisão de funções no futuro. “Creio que a tradição é tão forte que não haverá divisão nas grandes empresas”, observa Larcker. “Para que esse quadro mude, será preciso que os órgãos reguladores emitam uma norma neste sentido”. Useem acrescenta: “Ficaria surpreso se outras empresas do S&P 500 decidissem impor a divisão de funções. Na cultura corporativa americana, as pessoas questionariam a falta de confiança implícita em um CEO que não fosse também presidente do Conselho.”

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