Existem realmente diferenças entre homens e mulheres na hora de negociar?

No início de outubro, um ensaio escrito pela atriz Jennifer Lawrence sobre a remuneração em Hollywood gerou inúmeras discussões sobre como – e que com eficácia – as mulheres negociam. Em seu ensaio, escrito para o periódico digital Lenny, a atriz se lembra de como se sentiu irada por não ter negociado um salário mais alto com os executivos do estúdio depois de descobrir qual era a remuneração paga a seus colegas do sexo masculino – que veio a público com o vazamento de e-mails da Sony em 2014. “Fui péssima negociadora porque desisti cedo demais”, escreveu. “Eu estaria mentindo se dissesse que minha decisão não foi influenciada pelo desejo de que gostassem de mim, o que me levou a fechar o negócio sem ter brigado de verdade.”

O estudo de Lawrence suscita uma série de questões. Será que as mulheres têm uma forma negociar diferente da dos homens? Será que há uma tendência de falta de confiança nelas que as impede de serem boas negociadoras, conforme disseram Lawrence e outros? Haveria mais de uma forma de ser bem-sucedido nas negociações? Qual seria a melhor estratégia de negócios: buscar o consenso ou atacar diretamente a jugular? Em recente congresso da Wharton, Mulheres em Negócios, um painel de mulheres altamente capacitadas, profissionais experientes nos setores de investimentos, private equity, seguros, consultoria e direito – algumas delas responsáveis pela gestão de bilhões de dólares de sua empresa – discutiram essas e outras questões.

Um dos principais temas debatidos foi a forma de negociar: fazê-lo hoje de forma incisiva e dominadora é algo praticamente relegado a segundo plano. O estilo mais bem aceito, tanto no caso dos homens quanto das mulheres, enfatiza a escuta e a construção de uma atmosfera de colaboração. Segundo os membros do painel, essa é uma opção mais produtiva. Eileen Kisly, vice-presidente de planejamento e analista da Prudential, disse que anos atrás, quando a colocaram à frente de uma equipe, sua atitude foi a seguinte: “Vou ser a número um. Vou vencer.” Ela acrescentou que as mulheres que não são arrojadas no trabalho e não “põem a mão na massa” correm o risco de ser ignoradas profissionalmente. “Acho que hoje as coisas são totalmente diferentes”, disse. “Nossa empresa, e o mundo dos negócios, evoluíram. Ainda bem.”

Jennifer Pereira, diretora de private equity direto da CPP Investment Board, também se lembra de que quando começou a negociar profissionalmente tinha a mesma atitude: “Tenho de vencer, a razão está comigo, tenho de mostrar que estou certa.” O que eu aprendi bem depressa, disse, é que há “mais de uma maneira de estar certo […] No fim das contas, o que importa é cultivar uma atitude de abertura e de colaboração”.

Quais os benefícios de privilegiar a escuta em uma negociação? Jennifer Potenta, diretora do grupo Corporate Private Placements, da MetLife, disse: “A escuta é muito importante porque, às vezes, você acha que sabe o que a outra parte quer, mas quando decide ouvi-la de fato, aí então você escuta o que ela realmente quer. Nesse momento você toma uma posição, uma resolução, que funciona para os dois lados”. Potenta disse que as mulheres talvez tenham uma vantagem inata quando se trata de ouvir. “Faço isso melhor do que meus colegas homens.”

Ouvir ajuda você a entender seu público, concordou Kisly, e lhe permite identificar argumentos que ele considera importante. “Não é fácil dar um passo atrás e reconhecer: muito bem, vou ouvir o que os outros têm a dizer. Geralmente, a combinação de ideias é uma solução melhor do que priorizar apenas a sua ideia.”

Rachel Krol, professora do departamento de estudos jurídicos e ética nos negócios da Wharton e moderadora do painel, observou que a escuta é fundamental para uma negociação de sucesso, mesmo que possa parecer uma posição de maior fragilidade. “Às vezes, achamos que a pessoa que domina as transmissões de ondas pelo ar controla também a negociação e o espaço.” Contudo, pesquisas feitas com os vendedores mais eficazes, por exemplo, mostram que eles falam apenas 30% do tempo quando se reúnem com um cliente. O resto do tempo eles passam ouvindo ou fazendo perguntas. Parece contrário à intuição, mas a escuta pode conferir uma posição de força ao negociador.

Intimamente relacionada à escuta, transparência e colaboração, a construção de relacionamentos duradouros é igualmente importante. Pereira disse que em seu setor a tendência é trabalhar sempre com os mesmos assessores. Um sujeito que esteja na outra ponta da negociação pode facilmente, no futuro, mudar de lado. “Nem sempre você sabe quando alguém vai aparecer de novo na sua vida. É realmente muito importante negociar com integridade e construir continuamente bons relacionamentos.”

“Os relacionamentos duradouros são muito importantes no meu segmento também, assim como no setor da Jen”, disse Potenta. “Nossa principal preocupação é o investimento de longo prazo […] com empresas e bancos.” Ela disse que procura visitar algumas vezes ao longo do ano seus contatos nas 60 empresas com as quais trabalha, ou pelo menos ligar para eles. Ela também acha que em qualquer negociação, a integridade é fundamental. “Nunca abra mão disso; não vale a pena. Para mim, minha integridade é um diferenciador.”

Devolvendo um jeans

Para uma boa parte do painel, as mulheres tendem a ter menos confiança do que os homens na hora de negociar, ou então elas se desvalorizam achando que “não são boas nisso”. Beth Ann Day, diretora gerente e diretora de talentos da AllianceBernstein, e Fatimah Gilliam, fundadora e CEO do The Azara Group, consultoria de negócios na área de liderança, desenvolvimento e estratégia, deu alguns conselhos para que as mulheres superem essa barreira.

Day disse: “Fico louca quando ouço uma mulher que fez MBA na Wharton dizer que não é boa para negociar e nem para falar em público. Bem, você não tem de ser tão boa assim; apenas faça o que tem de ser feito […] Pense assim: ‘Preciso fazer isso. Só assim vou progredir.’”

Ela acrescentou que a prática ajuda também. Tanto Day quanto Gilliam disseram que a prática da negociação em dimensões menores, na vida cotidiana, resulta em experiência e confiança. Pode ser, por exemplo, algo do tipo: retornar um jeans depois de expirado o prazo de retorno de 30 dias da mercadoria; ou então, se estiver viajando, conseguir um quarto melhor no hotel. “Uma vez, fiquei 45 minutos ao telefone com a porta fechada discutindo acaloradamente”, disse Day. “Abri a porta e meu assistente me perguntou com quem eu estava falando. Eu disse: ‘Acabei de convencer a American Airlines a melhorar meu status de passageiro frequente, embora eu não tivesse os requisitos para isso […]’ Foi divertido. Desafiei a mim mesma e venci.”

“Acredito sinceramente que para negociar melhor, é preciso prática”, disse Gilliam. “É como qualquer outra coisa: jogar tênis ou se tornar um grande pianista.” Ela defendeu também o treinamento formal – ela mesma estudou prática de negociação na Kennedy School e na Columbia Law -, e acrescentou: “Também adoro viajar para países em desenvolvimento só para pechinchar nas feiras livres.” Krol disse algo nessa mesma linha salientando que quando visita empresas independentes, ela tem por hábito perguntar quanto seria se pagasse à vista. “Aproveitar esses pequenos momentos é uma forma de desenvolver a confiança.”

Como pedir aumento

O processo de negociação na hora de pedir aumento, promoção ou bônus pode ser um desafio, mas é fundamental para o progresso da carreira. Como diretora de talentos, Day disse que tem esse tipo de conversa praticamente todos os dias no seu trabalho representando a empresa. Ela descreveu as diferenças entre a forma como homens e mulheres lidam com a situação.

“O macho típico com MBA pela Wharton negocia comigo o tempo todo”, disse. Com relação às mulheres: “Metade delas nunca negocia coisa alguma comigo; a outra metade o faz de forma muito intensa ou como se estivesse se desculpando: ‘Olha, me sinto péssima fazendo isso; odeio negociar.’” Como as mulheres não costumam negociar com frequência, disse ela, o evento ganha proporções “descomunais”, diferentemente do que acontece com os homens, para quem negociar é “normal”, já que eles fazem isso o tempo todo.

Day disse que as mulheres deveriam se obrigar a negociar regularmente e a se sentir à vontade para pedir mais, algo como “20% a mais de aumento do que o esperado; ou uma promoção que deveria ter ocorrido há seis ou 12 meses”. Às vezes, a resposta será positiva; às vezes, não, ela disse, mas a ideia é insistir e não achar que a negociação é uma coisa pessoal. Um benefício colateral dessa atitude é que seu chefe vai perceber que você é uma pessoa “ambiciosa, ávida e pronta para assumir mais responsabilidades”.

Gilliam citou uma pesquisa mostrando que quando as mulheres negociam para outra pessoa, elas, às vezes, superam os homens, ao passo que quando negociam em causa própria, seu desempenho não é tão bom. Ela propôs então um truque mental para as mulheres: “Mude sua perspectiva […] Não pense em si mesma. Pense que você está negociando para sua família. Se for uma negociação de salário, pense que um aumento lhe permitirá ter mais dinheiro para cuidar dos seus pais quando eles forem velhos. Que tal?”. Se você pensar que não se trata de negociar “em causa própria”, disse Gilliam, isso poderá fazer de você uma pessoa que saberá defender melhor seus interesses.

Gilliam disse que as mais jovens podem ficar rapidamente para trás se não pedirem desde logo um salário maior. Os dados mostram que até mesmo uma diferença incremental pequena de salário, algo em torno de US$ 5.000 pode se traduzir em um prejuízo de milhares de dólares no decorrer da carreira da profissional. Se você não pedir, não receberá, salientou Gilliam.

Menos confiança?

Confiança é uma coisa tão importante no local de trabalho que, para algumas pessoas, ela pode até superar a competência, disse Gilliam. “Você encontra gente que parece não ter muito miolo, e olha que são pessoas experientes. E aí você se pergunta: como foi que conseguiram esse cargo?” Gilliam aconselha as mulheres a trabalharem sua confiança, porque “ninguém vai querer estar submetido a um sujeito que não conhece muito bem o negócio […] Contudo, essa gente passa mais confiança do que você”.

Pereira foi um pouco menos incisiva do que Gilliam: “Não gostaria nem um pouco que as pessoas saíssem daqui com o seguinte pensamento: ‘Muito bem, tenho de construir essa confiança porque sou mulher e me falta confiança,’” disse. Ela salientou que embora as mulheres transmitam uma imagem de menos confiança do que os homens no ambiente corporativo, estudos sobre a mente de homens e mulheres mostram que isso talvez não seja uma deficiência, e sim uma diferença na forma de expressar confiança. “Por exemplo, ficamos muito mais calmas em situações estressantes em que você tem de ser polivalente ou quando as coisas dão errado. O homem costuma ficar mais irritado, ele ‘se apavora’, na falta de um termo melhor.”

Contudo, uma vez que as empresas – e a sociedade de modo geral – definem a confiança conforme os homens a expressam, “você precisa trabalhar esses atributos mais amplamente conhecidos”, disse Pereira.

Início.

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