Por que é importante cultivar uma cultura de compaixão no local de trabalho

Para alguns empregados, um dia típico no escritório começa muitas vezes com uma tonelada de perguntas sobre trabalho de colegas impacientes que aguardavam sua chegada. Para outros, o dia talvez comece com uma série de cumprimentos animados dos colegas que querem saber como está sua família e talvez um convite para um cafezinho antes do início do dilúvio diário de trabalho.

De acordo com Sigal Barsade, professora de administração da Wharton, existe uma razão para acreditar que este último cenário — em que se observa o que ela chama de “amor companheiro” no local de trabalho — não seja apenas mais atraente, mas também vital para o moral do funcionário, para a equipe e para a satisfação do cliente.

O amor companheiro se manifesta “quando os colegas que estão sempre juntos indagam sobre o trabalho uns dos outros e se interessam, inclusive, por questões não relacionadas ao trabalho”, diz Barsade. “Eles se preocupam com os sentimentos uns dos outros. Demonstram compaixão quando as coisas não vão bem. Mostram afeição e interesse pelos colegas — por exemplo, ao tomar café, levam uma xícara para o colega, ou, simplesmente, ouvem aquele que está precisando de alguém com quem possa conversar.”

Para demonstrar o valor do amor companheiro no local de trabalho, Barsade e a coautora do estudo, Olivia “Mandy” O’Neill, professora assistente de administração da Universidade George Mason, fizeram um estudo longitudinal de 16 meses numa instituição de saúde para pacientes com prazo indeterminado de alta onde entrevistaram 185 empregados, 108 pacientes e 42 membros de famílias dos internos. Barsade e O’Neill se propuseram a mensurar o efeito do amor companheiro sobre o desempenho emocional e comportamental dos empregados, bem como sobre a saúde dos pacientes e sua satisfação com os membros da família entrevistados. Os resultados do estudo foram reunidos em um trabalho intitulado “O que o amor tem a ver com isso? Um estudo longitudinal sobre a cultura do amor companheiro e o desempenho dos empregados e dos clientes em um ambiente de saúde sem previsão de alta a curto prazo” [What’s Love Got to Do with It? A Longitudinal Study of the Culture of Companionate Love and Employee and Client Outcomes in the Long-Term Care Setting] a ser publicado em edição futura da Administrative Science Quarterly.

Para realizar a pesquisa, Barsade e O’Neill montaram uma escala com o propósito de medir a ternura, a compaixão, o afeto e o carinho. Contudo, em vez de perguntar simplesmente aos participantes se sentiam ou expressavam essas emoções, as pesquisadoras quiseram saber em que medida as pessoas  viam os participantes manifestando esses sentimentos. Foram convidados também avaliadores independentes para que observassem esses quatro elementos da cultura daquela instituição. Pediu-se aos membros das famílias que avaliassem a cultura. Por último, foram acrescentados índices de “artefatos culturais” (de que maneira a cultura é expressa no ambiente físico) que refletissem a cultura de amor companheiro — por exemplo, viabilização de espaços que imitassem um ambiente “caseiro”, comemoração de aniversários etc. “Fizemos uma mensuração muito bem elaborada com todas as perspectivas possíveis sobre a cultura da unidade”, diz Barsade.

Nosso estudo foi um dos poucos a tratar da cultura emocional, e não da cultura cognitiva, observa Barsade. “Tratamos das emoções compartilhadas. Nosso campo tende a privilegiar as cognições partilhadas pelas pessoas no trabalho; entretanto, compreender as emoções partilhadas pelas pessoas no ambiente de trabalho pode ter igualmente efeitos importantes para as empresas.”

Quando o amor é infeccioso

Barsade e O’Neill imaginaram que uma unidade de saúde com pacientes sem previsão de alta seria o lugar ideal par testar a hipótese do amor companheiro como força positiva no local de trabalho. “Nessas instituições, você tem pessoas que lidam com os residentes lá internados há bastante tempo. Há funcionários que escolheram a indústria da saúde”, diz Barsade. “Portanto, foi uma primeira parada natural para avaliação do conceito de cultura emocional. Embora isso diga respeito à forma como os empregados tratam uns aos outros, e não necessariamente como tratam seus clientes, partimos da hipótese de que se dispensam um tratamento atencioso uns aos outros, e se o fazem de modo compassivo, com ternura e afeição, isso transbordará para os residentes e para suas famílias.”

Uma das descobertas mais interessantes do estudo foi que a cultura do amor companheiro diminui o número de pedidos de afastamento do trabalho. Barsade e O’Neill mediram o afastamento através de um levantamento feito entre os trabalhadores sobre seus níveis de exaustão emocional e por meio do estudo das taxas de absenteísmo. Elas constataram que as unidades com níveis mais elevados de amor companheiro tinham menos índices de absenteísmo e menos casos de funcionários estafados. As pesquisadoras também descobriram que uma cultura de amor companheiro levava a índices mais altos de participação do funcionário em seu trabalho graças ao esforço mais intenso da equipe e a uma maior participação do empregado.

Isso acontecia até mesmo com empregados que não experimentam os níveis elevados de amor companheiro existente em suas unidades. “A visão que dominou nosso campo durante 20 anos era de que toda vez que você participa de um trabalho emocional — isto é, você muda ou administra suas ações em troca de um salário — ele acaba em estafa”, diz Barsade. “O que estamos sugerindo é mais complicado do que isso. Pode ser que mesmo que o indivíduo não sinta inicialmente a cultura do amor — mesmo que ele a esteja apenas simulando — isso pode culminar com os resultados positivos mencionados. Além disso, existe a possibilidade de que à medida que o indivíduo represente o amor companheiro, ele comece a senti-lo de fato com o passar do tempo.”

O estudo constatou também que a cultura do amor companheiro transbordou da equipe e influenciou os pacientes e suas famílias. “Assistentes diplomados de enfermagem avaliaram o humor dos residentes, e observadores externos avaliaram a cultura. Estes últimos conseguiram prever que o humor dos pacientes melhorava quando a cultura da equipe de funcionários comunicava mais amor”, diz Barsade.

Barsade e O’Neill mediram a qualidade de vida dos pacientes com base em 11 fatores comumente usados para avaliar as instituições de saúde com pacientes sem previsão de alta. Foram analisados entre outros fatores: conforto, dignidade, satisfação com a alimentação e realização espiritual. De modo geral, diz Barsade, havia uma correlação positiva entre uma cultura de amor companheiro e a qualidade de vida do paciente.

É curioso, porém, que quando as pesquisadoras examinaram os resultados das avaliações de saúde dos pacientes, não constataram um impacto muito grande do amor companheiro, conforme esperavam. Elas mensuraram três dos resultados mais críticos no caso de pacientes internados por prazo indeterminado: deslocamentos desnecessários para o pronto-socorro, ganho de peso e incidência de úlcera por ficar muito tempo de cama. As pesquisadoras descobriram que embora uma cultura de amor companheiro diminuísse efetivamente os deslocamentos até o PS, não havia efeito algum sobre o peso e a ocorrência de úlceras.

“Controlamos estatisticamente fatores tais como saúde geral do paciente, funcionamento físico e grau de debilitamento cognitivo. Portanto, foi um teste bastante conservador”, diz Barsade. “Contudo, os efeitos sobre a saúde nem sempre aparecem objetivamente. Eu não desistiria.”

Além do ambiente próprio do setor de saúde

A pesquisa de Barsade e O’Neill suscita uma pergunta fundamental: o amor companheiro faz diferença em locais de trabalho cujas atividades não giram em torno da comunicação de amor e compaixão pelos clientes? Para responder a essa pergunta, as pesquisadoras fizeram um segundo estudo com 3.201 funcionários em sete indústrias diferentes. Usando a mesma escala empregada na instituição de saúde sem prazo de alta, as pesquisadoras constataram que uma cultura de amor companheiro tinha uma correlação positiva com a satisfação no trabalho, dedicação à empresa e desempenho responsável.

As relações encontradas no cenário de longo prazo não se modificaram. “Constatamos que o amor companheiro faz diferença em uma vasta gama de indústrias as mais diversas: no setor imobiliário, financeiro e em concessionárias de serviço público”, diz O’Neill. “O interessante, porém, é que embora o parâmetro geral do amor companheiro possa diferir de uma indústria para outra, a diferença foi muito significativa dentro de uma indústria específica bem como de um tipo de indústria para outra. De modo geral, constatamos que — a despeito do parâmetro da indústria — havendo uma cultura fortemente impregnada de amor companheiro, tal cultura estará associada a uma maior satisfação, dedicação e prestação de contas.”

O’Neill e Barsade acreditam que suas descobertas iniciais em outras indústrias requerem uma investigação mais detalhada. Já há outros estudos em andamento. O’Neill, por exemplo, está trabalhando com Nancy Rothbard, professora de administração da Wharton, em um estudo sobre bombeiros. “Observamos que o amor companheiro funciona como auxiliar no combate aos problemas que eles têm de enfrentar dentro e fora do trabalho”, diz O’Neill. “Os bombeiros, por exemplo, tendem a ter níveis elevados de conflitos entre vida pessoal e profissional devido ao estresse produzido por esta última. O amor companheiro ajuda a amortecer o efeito do estresse do trabalho e os conflitos entre a vida profissional e pessoal sobre outras áreas.”

Barsade diz que seu estudo sobre instituições de saúde com internos sem previsão de alta inspirou-a também a examinar o papel de outros aspectos da cultura emocional  no trabalho. “Não temos apenas um tipo de cultura emocional”, diz ela. “Nossa pesquisa se dedicou de propósito à cultura do amor companheiro. Mas pode haver também uma cultura de ira, de medo ou de alegria. O segundo passo natural consiste em avaliar de que modo esses fatores influenciam um ao outro e, em seguida, analisar o cenário por completo para ver de que maneira a cultura cognitiva e a emocional se cruzam.”

A pesquisa já parece indicar a existência de um recado muito importante para os gerentes de todas as indústrias, diz Barsade: ternura, compaixão, afeição e interesse pelo outro fazem diferença no ambiente de trabalho. “A gerência pode fazer alguma coisa a esse respeito”, diz a pesquisadora. “É preciso que a gerência pense na cultura emocional. Começa com a forma pela qual os gerentes tratam os empregados quando os veem. Eles demonstram emoções do tipo mencionado?  Isso lhes dará a informação necessária para o tipo de diretrizes que deverão pôr em prática. É possível fazê-lo de modo que seja proposital — e não apenas algo que brote organicamente.”

Início.

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