Produção de etanol de segunda geração: uma oportunidade histórica

OBrasil é líder histórico na produção de etanol desde que os colonizadores portugueses extraíram álcool da cana-de-açúcar no século 16. A mais nova versão da produção de etanol, conhecida como 2G, promete maior economia e margens de lucro ― isto é, caso as empresas consigam superar as dificuldades que terão de enfrentar.

Em 1532, os colonizadores portugueses de Pernambuco, no Brasil, extraíram álcool da cana-de-açúcar pela primeira vez. Hoje, o Brasil produz 27 bilhões de litros de etanol de cana-de-açúcar anualmente. Em princípios da década de 1920, quando os EUA estavam desmontando a Standard Oil Company, o governador de Pernambuco decretou que todos os carros fossem movidos a etanol. Essa história singular do combustível no Brasil é particularmente importante à luz dos delicados debates atuais sobre fontes de energia para veículos e como reduzir as emissões de carbono.

Em meio a uma das crises econômicas mais terríveis da história do Brasil, o desenvolvimento do etanol de segunda geração (2G) poderia ser uma tremenda fonte de crescimento econômico e de energia, bem como alavancar a responsabilidade ambiental do país. Como filantropo e empreendedor, Louis Glickman disse certa vez: “O melhor investimento na terra é a própria terra.”

Com 25% de participação no mercado global, o Brasil é o segundo maior produtor de etanol do mundo depois dos EUA. Enquanto os EUA dependem do milho para produzir etanol, o Brasil produz a partir da cana-de-açúcar. O etanol é uma fonte de combustível brasileira cuja origem remonta a princípios do século 20, mas que só ganhou força em 1973, com a crise do petróleo que resultou na criação do Programa Nacional do Álcool, o PROÁLCOOL. O programa acelerou o investimento público e privado na produção do bioetanol, tornando-se a peça central do setor de energia brasileiro.

A introdução, em 2003, dos veículos flex (FFV), que podem ser abastecidos tanto com gasolina quanto com etanol hidratado, se tornou rapidamente o padrão da frota de carros brasileira. Em 2014, os veículos flex (FFV) respondiam por 88% das vendas de veículos leves e consolidavam a viabilidade de um mercado de etanol doméstico. Os benefícios ambientais do etanol em relação aos demais tipos de combustível permitiram ao Brasil tornar-se líder do espaço de combustíveis alternativos.

Contudo, acontecimentos recentes apontam para outros desafios à indústria brasileira do etanol. A descoberta, em 2007, de reservas de petróleo na camada de pré-sal no litoral do Rio de Janeiro, e a queda brusca dos preços do petróleo em 2015, contribuíram para que o etanol perdesse força. Do ponto de vista da oferta, o processamento do etanol de primeira geração (1G) está começando a dar sinais de cansaço. No período de 2013-2014, foram construídas apenas três novas usinas de etanol, ante 30 entre 2008 e 2009. O rendimento da produção convencional estagnou em 6.000 litros por hectare.

Começa então a produção do etanol 2G, que depende de melhorias no processo tecnológico e de inovação no tocante à matéria-prima para que haja ganhos significativos de economia. Desde 2011, as empresas brasileiras investiram pesadamente no desenvolvimento de tecnologias 2G. Se forem bem-sucedidos, esses avanços, combinados com as vantagens relativas de custos do Brasil e vasta quantidade de terra arável, poderão transformar radicalmente o papel do país no mercado global de etanol.

Como funciona o etanol 2G

A principal diferença entre o etanol 1G e o 2G se dá na produção. No 1G, os açúcares naturais das lavouras de cana-de-açúcar, milho e beterraba são convertidos em etanol. No etanol 2G, a produção não tem um insumo definido ― ele pode ser fabricado a partir de uma ampla variedade de biomassa: milho ou variantes da cana-de-açúcar. Contudo, alguns insumos têm rentabilidade maior e podem ser mais econômicos do que outros. De modo geral, o processo 2G é mais compatível com o meio ambiente do que o 1G, aproveita melhor a planta e tem índices de conversão mais elevados. Isso resulta em menos desperdício e em uma pegada melhor de carbono.

De acordo com um estudo feito pelo Foreign Policy, a produção de etanol no Brasil evitou a produção de 600 milhões de toneladas de gás carbônico entre 1974 e 2004. Isso deu ao Brasil força para influenciar as negociações de política ambiental durante, por exemplo, o Fórum de Inovação Sustentável na Conferência do Clima (COP21) de Paris, em 2015. Jeremy Rifkin, observou em seu livro “A terceira revolução industrial: como o poder lateral está transformando a energia, a economia e o mundo”, que, “na prática, muitos países da América do Sul demoraram para se libertar dos combustíveis fósseis. O Brasil, a usina econômica do continente, é uma exceção. O país gera 84% de sua eletricidade a partir de energia hidrelétrica renovável. O etanol doméstico responde por 20% a 25% de cada litro de petróleo usado no transporte.

“A forte dependência da energia hidrelétrica e do etanol vegetal faz do Brasil uma das economias de energia renovável mais avançadas do mundo.” Hoje, a vanguarda brasileira dá ao país uma grande vantagem em meio à concorrência econômica global e ao jogo geopolítico.

A produção do etanol 2G é mais econômica e mais compatível com o meio ambiente do que processo 1G. A coleta de insumos é simples. Por exemplo, os agricultores permitem que os empregados da empresa de biotecnologia GranBio entrem em suas terras depois da colheita para recolher a palha deixada no campo. Os catadores pagam de acordo com o peso recolhido. O verdadeiro desafio consiste no intervalo de tempo entre a colheita e a coleta, que é, geralmente, de 7 a 10 dias. Portanto, as instalações para a produção do etanol 2G devem ser próximas dos campos de coleta, o que resulta em limitações logísticas e de infraestrutura.

Os ganhos em eficiência resultantes da utilização do material refugado são consideráveis: a mesma área plantada pode gerar até 50% a mais de combustíveis. Um ponto fundamental é que o etanol 2G é exatamente o mesmo que o etanol 1G: não há diferença de uso ou de produção de energia. Contudo, a produção de etanol 1G é 30% mais cara. Isso se deve ao fato de que se usam enzimas para decompor o açúcar na palha ou no melaço. Embora os preços tenham caído 78% em quatro anos, as enzimas ainda constituem uma proporção significativa dos custos de produção.

O processo de produção 2G também apresenta maior potencial de lucro. Atualmente, um lote de enzimas só pode ser usado uma única vez. A indústria está trabalhando na criação de enzimas que sobrevivam e possam ser reusadas em vários ciclos de produção. Isso reduziria o preço e melhoraria a competitividade, que são fatores importantes em um cenário de energia global em que o petróleo é mais barato a cada dia.

Contudo, muitos analistas se desiludiram com uma indústria que não faz justiça a seus prognósticos. A indústria em geral passa por dificuldades em grande escala com o processo de produção. A GranBio e seus concorrentes no Brasil, Itália, China e EUA não conseguiram atingir e manter uma produção estável. Há equipes trabalhando sem parar nesse tipo de dificuldade, o que leva essas empresas a acreditar que o sucesso está próximo. O potencial do etanol 2G é enorme, e a maior economia de recursos faz dele uma indústria inovadora e socialmente responsável que vale a pena acompanhar de perto.

O processo de conversão do etanol 2G usa enzimas para decompor a lignina das plantas. Uma fermentação ideal para a produção do etanol 2G requer o pré-tratamento a vapor das folhas e do bagaço e a execução de uma hidrólise enzimática. Duas grandes inovações resultaram em melhorias substanciais no processo de produção. Primeiro, as enzimas são agora integradas em um processo de conversão mais produtivo. Um artigo publicado no Brasil em 2015, “Biotecnologia para biocombustíveis”, assinalava que um aumento de 55% na conversão enzimática gerava um aumento de 25% no rendimento do biocombustível de cana-de-açúcar. Em segundo lugar, as enzimas compradas pelos laboratórios são hoje em grande medida reutilizáveis. Isso resultou em uma redução significativa no custo marginal de produção do etanol 2G.

Ampliando as fronteiras da tecnologia

Uma das mudanças mais importantes trazidas pelo etanol 2G é a utilização da celulose no lugar da sacarose. A celulose é o componente estrutural básico das plantas verdes, de algumas algas e outros tipos de vida orgânica. Como se trata de elemento ubíquo em praticamente toda vida vegetal, as opções de derivação do etanol usando um processo 2G são extremamente flexíveis em relação aos insumos utilizados. Como consequência, essa flexibilidade abre um amplo conjunto de opções para a criação de estoques de insumos com maior conteúdo de celulose, permitindo, ao mesmo tempo, que as lavouras sejam adaptadas a ambientes específicos. Essas lavouras, chamadas de lavouras de energia, são geneticamente trabalhadas para que tenham traços favoráveis que incluam alto rendimento e flexibilidade. Estão sendo criadas plataformas no mundo todo que usam plantas básicas como grama, árvores e, no caso da GranBio, cana-de-açúcar.

Até o momento, a GranBio investiu mais de US$ 300 milhões no desenvolvimento de um cultivo de açúcar para produção de energia geneticamente modificada, o Cana Vertix, comumente conhecido como cana de energia. De acordo com o site da empresa, a cana de energia foi desenvolvida através do cruzamento de híbridos da cana-de-açúcar comercial com tipos antigos de cana-de-açúcar em uma combinação que, tal como as outras lavouras de energia, maximiza a produção da biomassa em vez de maximizar a produção da sacarose. Além disso, a GranBio introduziu traços favoráveis na cana, permitindo que ela prospere em climas mais extremos tradicionalmente inadequados para o cultivo da cana-de-açúcar.

A natureza robusta dessa cana e seu ciclo ampliado de crescimento a tornam, no papel, a linhagem perfeita para o combustível 2G. Ela pode ser cultivada em áreas que não são usadas atualmente para uso produtivo da cana-de-açúcar tradicional. Um estudo feito pela GranBio mostra que, só no Brasil, a cana de energia poderia ser plantada em 32 milhões de hectares de terras para pastagens degradadas ― uma área maior do que o conjunto atual de todas as terras agricultáveis da Europa.

Como a GranBio planeja aumentar a produção, a empresa está diante de vários desafios cruciais comuns ao desenvolvimento de praticamente todos os organismos modificados geneticamente. As plantas geneticamente modificadas no Brasil estão sob regulação severa, muitas vezes submetidas a exigências onerosas e prazos de aprovação extremamente longos. Qualquer novo produto geneticamente modificado, quer para consumo humano, quer para o cultivo que permitirá sua transformação em energia, exige que se avaliem os riscos tanto para o ser humano quanto para o meio ambiente. Contudo, há um elemento a favor da GranBio: a cana-de-açúcar é cultivada em áreas em que o clima não permite que a planta produza um corpo florido. Isso diminui o risco de hibridização não planejada entre a planta geneticamente modificada e a linhagem natural da cana-de-açúcar.

Essa é uma das razões pelas quais a plataforma nativa da cana de energia foi classificada como Classe 2, ou produto geneticamente modificado de baixo risco. Contudo, o processo de aprovação de uma nova modificação leva, no mínimo, 18 meses. Isso constitui um gargalo significativo para o ciclo de desenvolvimento da GranBio no caso do etanol 2G, e é mais um exemplo de como o futuro do produto no Brasil está profundamente associado à estrutura regulatória. Como a GranBio pretende reinventar o espaço do etanol através de um processo 2G, a empresa evidentemente se voltará para a cana de energia para alcançar as diversas economias de escala de que precisa para fazer do etanol 2G um substituto rentável tanto do etanol quanto de outros combustíveis fósseis tradicionais.

Ao longo do século 20, a gasolina monopolizou a produção de energia para fins de transporte. Todos os efeitos negativos desse monopólio ― da Standard Oil Company à Guerra do Iraque ― tolheram o desenvolvimento de um mercado competitivo de outras fontes de energia. Nos anos 70, depois do choque do petróleo, o governo brasileiro decidiu investir pesadamente na produção de bioetanol derivado da cana-de-açúcar, um dos principais recursos agrícolas do país. A destruição progressiva do monopólio da gasolina produzirá um superávit substancial para o consumidor, uma mudança no cenário geopolítico e consequências externas positivas para o meio ambiente. Esses resultados serão reforçados pela exigência de uso do etanol biocombustível no mundo em que haverá uma mistura de 5% a 10% de etanol para uso em todos os veículos movidos a combustível até 2020.

Atualmente, o etanol parece ter um potencial muito maior do que sua simples utilização como fonte econômica de energia para carros. Historicamente, no Brasil, seu objetivo sempre foi o da versatilidade e da universalidade. O pai da produção do etanol no Brasil, João Bottene, que foi contemporâneo de Nikola Tesla, inventou uma locomotiva movida a álcool, a Fúlvio Morgati, e vários barcos movidos pela mesma energia. Hoje, com aplicações que vão da energia em geral à indústria de plásticos, o potencial do etanol 2G parece estar se tornando cada vez mais relevante. Seria uma oportunidade única para o Brasil e para o cenário de energia global.

Este artigo foi escrito por Jeff Aziakou, Case Dwyer, Typhaine Robert e Stephane Fisch, membros da Turma Lauder de 2017.

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