Como Beni Lopez, da Softtek, trabalha os pontos fortes locais da empresa para crescer globalmente

A Softtek, empresa de serviços de TI do México, é uma concorrente peso pesado das rivais indianas na disputa pelo atendimento ao mercado americano. Para privilegiar seus pontos fortes, terceirizou seus processos para regiões vizinhas, num processo que batizou de near-shoring, termo criado pela empresa para designar essa estratégia. Com 29 anos de atividades, a empresa nascida na América Latina espalhou-se pela América do Norte, Europa e Ásia, e conta com reservas para aquisições.

Benigno (“Beni”) Lopez, diretor de globalização da Softtek, conversou com o Universia Knowledge@Wharton e disse que a empresa quer passar da arbitragem de custo para o “custo total de participação” do cliente. A proximidade e a afinidade com os EUA, associadas ao near-shoringem regiões da América Latina, contribuem para sua vantagem competitiva, disse ele em entrevista ao Universia Knowledge@Wharton.

Lopez foi para a Softtek em 1989. Em princípio dos anos 90, ele criou e desenvolveu a oficina da unidade de tecnologia voltada para objeto, bem como a oficina de informações da empresa. Ambas marcaram a entrada da Softtek no segmento de aplicações comerciais fora do ambiente dos mainframes e dos midrange [computadores mais possantes que os PCs, porém menos que os mainframes]. Lopez participou ativamente da globalização da empresa no Peru, Argentina e Colômbia. Em 1995, tornou-se sócio-gerente da Softtek Brasil e chefiou a área de desenvolvimento de software. Lopez é formado em engenharia da computação pelo Instituto Tecnológico de Estudos Superiores de Monterrey, no México.

Segue abaixo uma versão editada da entrevista.

Universia Knowledge@Wharton: O título do seu cargo é bem interessante. O que faz um diretor de globalização?

Beni Lopez: Bem, essa é a parte divertida da coisa. Tenho de inventar minha função diariamente à medida que trabalhamos, porque o cargo é novo. Estou incumbido basicamente de três coisas. A primeira delas é usar nossas cinco contas globais principais como uma espécie de sandbox [ambiente controlado], digamos assim, para garantir que nossos processos internos — no que se refere à forma como realizamos nossos serviços, bem como a forma pela qual interagimos com nossos clientes — estejam de tal maneira alinhados verticalmente que sejam os mesmos onde quer que os apliquemos, seja nos EUA, no Canadá, China, Reino Unido, Brasil ou Argentina. Nós nos consideramos uma empresa global e, portanto, isso é para nós um teste de estresse que nos permitirá saber se estamos nos comportando como uma empresa única no mundo todo. Em segundo lugar, cabe a mim fazer com que a empresa abandone o modelo de negócios baseado em regiões em favor da verticalização. Em terceiro lugar, sou responsável pelo aperfeiçoamento dos profissionais que temos em todas as partes do mundo, seja onde for, o que, às vezes, não fazemos devido ao modelo local de lucros e perdas.

Universia Knowledge@Wharton: Por que é melhor trabalhar com a verticalização e não com a regionalização?

Lopez: Porquenossa preocupação consiste em identificar valores conforme aquilo que nossos clientes nos pedem. Somos muito bons nos serviços de TI calcados em processos. Isso vai além da arbitragem do trabalho, que é secundária. A próxima fase consiste em alavancar com força total nossa bagagem industrial. Cerca de 40% do nosso negócio decorre de serviços financeiros e de setores de seguros. Cerca de 20% tem origem na alta tecnologia soberana [high-tech sovereign] e 15% vem dos setores de energia, petróleo e gás. Contudo, eles estão em bolsões diferentes, em diferentes regiões. Nosso objetivo é garantir a existência dessa estrutura vertical, de modo que não só possamos tirar proveito dos pontos fortes que temos, mas também de nossa bagagem industrial.

Universia Knowledge@Wharton:A Softtek é uma das principais empresas no segmento de near-shoring de TI e de serviços à base de TI. Você poderia explicar como foi que evoluiu a estratégia da empresa, principalmente em relação ao que é mais comumente conhecido como modelo offshore ou modelo de distribuição global?

Lopez: Claro. Cunhamos o termo [near-shoring] há 15 anos. Essa foi nossa bandeira de entrada no mercado americano. Éramos uma empresa bem-sucedida de consultoria em serviços de TI na América Latina. Já havíamos tentado entrar algumas vezes nos EUA antes, mas não tínhamos na época algo que realmente nos distinguisse devido ao aumento da demanda por offshoring em meados e em fins dos anos 90. Contudo, sabíamos que, por ser procedente sobretudo do México, o custo da unidade seria mais elevado do que o da Índia. Estávamos, portanto, de certo modo, em desvantagem se fosse levado em conta tão-somente o custo da unidade. Sabíamos que seria preciso colocar nossos pontos fortes em campo, isto é, nossa estratégia de engenharia calcada em processos. Criamos, então, com a ajuda dos nossos clientes, modelos de custo total de participação. Desde o primeiro dia, fomos competitivos no setor de projetos de preços fixos e de serviços gerenciados, em que não importa, de fato, se você vai usar 10, 20 ou 100 pessoas para fazer o que tem de ser feito.

Tivemos sucesso em nosso trabalho porque recorremos aos pontos fortes que tínhamos nas áreas que requeriam respostas baseadas em processos, produção ou resultados. Devido à proximidade com os EUA, o elemento diferenciador também permitiu um grau mais elevado de colaboração na execução dos projetos que necessitavam de colaboração, e onde não há as limitações do modelo de offshore no tocante ao fuso horário e à distância. Além disso, o alinhamento cultural, ou a afinidade, permite um grau mais elevado de colaboração, o que resulta em uma compreensão mais contextualizada, por assim dizer, dos projetos. Com isso, têm-se rendimentos maiores de produtividade, o que permite à empresa ser mais competitiva no que se refere à arbitragem do trabalho.

Universia Knowledge@Wharton:Com relação à indústria de serviços de TI no mundo todo, o crescimento desse mercado teria sido de aproximadamente de US$ 820 bilhões, correto?  

Lopez: Correto.

Universia Knowledge@Wharton: Que comparação se pode fazer entre os países da América Latina e, por exemplo, a Índia, Cingapura e Filipinas no que se refere ao volume de negócios? Que países estão sendo mais procurados atualmente na América Latina e quais são suas vantagens competitivas?

Lopez: Em primeiro lugar, e nisso você tem toda a razão, não se pode tratar a América Latina como uma coisa só. É preciso entender os pontos fortes específicos dos países mais pujantes. Não há dúvida de que os três países mais atraentes são México, Brasil e Argentina. Também prestamos serviços para a Costa Rica, mas esse é um nicho.

A maior vantagem do México é sua localização próxima ao maior mercado do mundo.

Daqueles US$ 820 bilhões, a maior parte está nos EUA. O México ali está no local mais natural possível, por assim dizer, para fornecer o serviço que fornecemos.

O Brasil oferece uma oportunidade tremenda, porque existem ali mais profissionais do que no México. Contudo, por motivos históricos, o Brasil sempre foi um país muito fechado. O desafio que eu e todo o mundo enfrentamos consiste no fato de que é preciso compreender a área de domínio específico em que se deseja trabalhar no Brasil — no caso de um serviço de exportação de valor agregado. Não se pode aplicá-lo a uma commodity. São dois desafios principais. Um deles tem a ver com a atração do mercado doméstico, que continua a crescer. É um desafio considerar a possibilidade de partir para a exportação, uma vez que você continua a crescer dentro de casa. Em segundo lugar, é preciso compreender, de fato, o país e seus pontos positivos e decidir o que escolher, já que a decisão não será baseada no menor custo, e sim no valor.

A Argentina tem excelentes profissionais, porém dos três países, é o que conta com menor número de profissionais. É preciso entender a dinâmica da economia de um mercado inflacionário para tirar proveito dele. A Costa Rica é interessante, mas tem pouca gente especializada. Estamos aguardando para ver como a Colômbia evolui. Estamos presentes na maioria das capitais da América Latina, o que nos dá uma boa base para entender esse contexto. Tiramos proveito dessa situação com nossas exportações quando fazemos algum lançamento, especialmente no caso de clientes internacionais.

Universia Knowledge@Wharton: Comparando o tipo de trabalho que está sendo terceirizado para o Brasil com o que é terceirizado, por exemplo, para o México, quais seriam as diferenças e por quê?

Lopez: Digamos que por causa de suas vantagens naturais e da proximidade e afinidade com os EUA, o México se preste melhor a terceirizações do tipo mais genérico. O Brasil tem, provavelmente, três pontos positivos. Estamos apostando especificamente em P&D por diferentes motivos. Esse segmento tem crescido bastante no Brasil, portanto o país conta hoje com bons profissionais. Houve empresas que tentaram tirar proveito de sua experiência na área de serviços financeiros pelo mesmo motivo. No passado, a economia brasileira era refém da hiper-inflação. Com isso, o país foi obrigado a criar soluções extremamente inovadoras para que os serviços financeiros tivessem como dar conta da situação. Algumas empresas estão tentando pegar essa experiência e alinhá-la, por exemplo, a uma vasta combinação de habilidades no segmento de mainframes. Isso, porém, tem um preço que é preciso levar em conta. O terceiro componente que estamos exportando tem a ver com a especialidade em um domínio muito específico dos processos de fabricação, e também com os processos de petróleo, gás e de aviação. É um nicho específico no qual podemos entrar e exportar, porque o custo da unidade não é importante, e sim o valor daquilo que você produz.      

Universia Knowledge@Wharton: Houve alguns desdobramentos recentes no sentido de montar uma comissão de terceirização presidida por Laércio Oliveira, parlamentar brasileiro, para a regulação do trabalho terceirizado no país. Que impacto você acha que isso terá sobre o trabalho terceirizado no Brasil?

Lopez: Bem, ainda é um pouco cedo para dizer. Estamos acompanhando os acontecimentos. No entanto, é preciso entender que isso é consequência de reformas profundas já introduzidas. A mão de obra da área de TI está regulada há três anos. Isso teve um impacto sobre a compreensão do setor e a adaptação necessária a ele. Uma coisa que me preocupa é de que maneira isso será equiparado à mão de obra, ou se o objetivo é, de fato, incentivar a indústria. Como empresa, não estamos muito preocupados nem com uma coisa, e nem com outra, porque nossa atenção está toda voltada para os serviços baseados na produção. Não ampliamos nossa equipe (para fornecimento de serviços de mão de obra terceirizada). Essas reformas teriam, possivelmente, um impacto sobre as empresas levando-as a ampliar suas equipes. Mas quem produz um serviço como produto não deve ser tão impactado assim.

Universia Knowledge@Wharton: O desemprego nos EUA superou os 9%. Que tipo de barreiras políticas isso cria para os serviços de terceirização oferecidos pela sua empresa? Como você lida com esse tipo de problema?

Lopez: É verdade que surgiram algumas barreiras. Contudo, a indústria de serviços de TI adotou o modelo global de trabalho, conforme se espera de qualquer provedor de serviços, o que significa que trabalhamos com capacidades gêmeas. Temos um centro de desenvolvimento em St. Louis, Missouri. As empresas gostam disso porque nos permite aproveitar os profissionais locais. Todavia, essas mesmas empresas enfrentam exigências de seus acionistas para que continuem a gerar valor. É preciso ter ambas as capacidades: local e global. É imprescindível combinar as vantagens de ambas para que a geração de valor seja a melhor possível para o cliente.

Universia Knowledge@Wharton: Quais seriam os principais riscos da terceirização na América Latina? O que está sendo feito para proteger a empresas desses riscos?

Lopez: Bem, isso varia conforme o país. Se pensarmos no Brasil, por exemplo, o risco é não entender os custos subjacentes próprios da maneira de fazer negócios no Brasil, tanto no que diz respeito às tarifas — embora não sejam chamadas assim — quanto no que diz respeito ao custo de fazer negócios. Na Argentina, é preciso compreender e ser capaz de gerir pressões inflacionárias. No ano passado, a inflação superou os 30%. A taxa de câmbio em relação ao dólar variou de 5% a 7%. Portanto, houve um impacto direto sobre o custo do dólar. No caso do México, conforme todos sabemos graças aos meios de comunicação, um dos riscos consiste em saber de que maneira a percepção de insegurança no país poderia se traduzir em impedimento para que algumas empresas possam tirar proveito do que é possível fazer. Por enquanto, o crime está limitado a algumas cidades e regiões específicas. São criminosos lutando contra criminosos e, obviamente, contra as forças públicas. Contudo, o nível de investimento não mudou. Na verdade, ele até cresceu. O risco é que a percepção do ambiente de crime tenha algum impacto sobre a indústria. Por enquanto, isso não aconteceu.

Universia Knowledge@Wharton: A Softtek compete com empresas globais de terceirização como a IBM, Accenture e Genpact de um lado; do outro lado, há também empresas locais de software, como a Hildebrando. De que maneira a Softtek se posiciona nesse universo? Qual a sua estratégia de crescimento?

Lopez: Vou falar primeiro da estratégia de crescimento. Em seguida, de que maneira a posicionamos. O modelo da Softtek não é o de uma empresa offshore. Temos respostas locais, regionais e globais. Temos capacidades globais, mas queremos também entender os mercados onde operamos. Nos 14 países em que atuamos, sempre atendemos o mercado doméstico. Até na China temos um componente para o mercado interno. Tudo isso porque queremos entender os mercados locais.

Temos respostas regionais, como produtos de near-shore e produtos regionais. Há centros regionais para os clientes, mas há também capacidades globais. Temos nove — em breve, 10 — centros de produção no México, Argentina, Brasil, China, Espanha e, mais recentemente, na Índia. Há uma rede completa e perfeitamente integrada de centros globais de produção. Trata-se de uma combinação inédita em nossa experiência.

Digamos que um varejista global tenha um conjunto centralizado de operações e um conjunto de aplicativos centralizados que ele queira aproveitar onde quer que decida operar. Ao mesmo tempo, é preciso conhecer a regulação local — impostos, leis trabalhistas etc. Somos parceiros de empresas desse tipo. Sabemos como trabalhar nos EUA, mas conhecemos também as características específicas dos mercados onde quer que eles queiram operar. Isso é muito diferente da nossa concorrência, principalmente das empresas locais, porque elas entendem o mercado local, mas não entendem necessariamente o mercado global e não contam com capacidades globais. Com relação às empresas globais, há uma variação conforme a indústria e conforme a companhia global a que estejamos nos referindo.

Fomos convidados para a festa porque apresentamos um modelo alternativo que nos permite atuar com mais agilidade do que as empresas globais que também atuam localmente. Não somos exclusivamente uma empresa de offshore atraída o tempo todo por um único modelo de produção baseado, sobretudo, na Índia.

Universia Knowledge@Wharton: Sei que vocês planejam investir em aquisições. De que maneira isso se integra à estratégia que você acabou de mencionar?

Lopez: Nossa estratégia está dividida em quatro segmentos. Em primeiro lugar, queremos continuar a investir nos mercados em crescimento, mas não só na América Latina. Muitos desses mercados estão ali, mas não todos. Outro componente da nossa estratégia consiste em não abandonar o modelo de produção global […] fortalecendo nossa rede de centros globais de produção. Em terceiro lugar, há os investimentos na ampliação, ou na estratégia baseada em processos, em nível individual. O quarto componente diz respeito à propriedade intelectual.

Universia Knowledge@Wharton: Com base em sua estratégia de investimento em mercados em crescimento, qual seria a diferença da Softtek de hoje em relação a Softtek daqui a cinco anos?

Lopez: A diferença não será só de tamanho. É provável também que o mix de receitas varie um pouco. Hoje, por exemplo, nosso maior mercado é os EUA, que representa 40% de nossas atividades. Nosso segundo mercado é o Brasil; o terceiro, o México, depois o resto da América do Sul, Europa e o mercado doméstico chinês. O mix vai mudar. Os EUA continuarão à frente, mas a mistura que temos nos demais países variará.

início

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima