O problema da poluição na China: alguns aspectos econômicos

No dia 12 de janeiro, um sábado, os moradores de Pequim depararam com um ar tão poluído ao despertar que quem caminhava pelas ruas mal podia enxergar poucos metros à frente. A leitura de hora em hora do Índice de Qualidade do Ar (AQI, na sigla em inglês) pela embaixada dos EUA estourou o limite da escala, que vai até 500, chegando a 755. Os níveis de material particulado inferiores a 2,5 micrômetros — partículas finas de ar de grau de risco mais elevado e que são considerados seguros quando a leitura for de cerca de 25 partes por milhão — chegaram a quase 900.

Depois da poluição do inverno passado, a pressão para despoluir o ar da China nunca foi tão grande. “O governo não tem outra alternativa senão reagir e tomar alguma atitude”, diz Wei Huang, especialista em poluição do ar do Greenpeace em Pequim. Todavia, os aspectos econômicos da despoluição do meio ambiente não estão claros. De acordo com especialistas, uma política eficaz exigiria uma mudança nas indústrias que impulsionam a economia do país acarretando ao mesmo tempo uma possível desaceleração no crescimento do PIB. Embora a receita para um ar mais limpo possa prejudicar algumas indústrias, outras deverão ser beneficiadas com a introdução de novas medidas favoráveis ao meio ambiente.

A dificuldade de quantificar os custos e os benefícios econômicos desse embate com a poluição tem dois lados — os prejuízos econômicos decorrentes da poluição e o custo da limpeza. “É difícil chegar a um número exato do prejuízo econômico devido à poluição na China”, observa Wei. “O país começou a divulgar recentemente os dados referentes à poluição em 2013 nas cidades de maior porte.”

Em um estudo divulgado no ano passado, o Greenpeace fixou o custo da poluição em Pequim em cerca de US$ 328 milhões com base nos níveis medidos em 2010. Em Xangai, o custo foi ainda mais elevado: US$ 420 milhões. Essa estimativa, porém, baseia-se apenas no número de mortes prematuras devido à poluição do ar. Outros custos — como os relacionados a enfermidades crônicas, produtividade perdida e degradação ambiental — se mostraram tão difíceis de medir com os dados existentes que o Greenpeace os deixou totalmente de fora dos seus parâmetros de análise. Num estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts publicado no mesmo ano, os pesquisadores analisaram os custos referentes à mão de obra e à saúde em 2005 e concluíram que a China havia perdido US$ 112 bilhões devido à poluição do ar.

Embora o país tenha se empenhado para calcular o custo da poluição no passado, num esforço de “PIB Verde” impulsionado pelo ministro de Proteção ao Meio Ambiente, esses números jamais foram divulgados. Sem eles, é difícil mensurar os ganhos e os prejuízos econômicos da despoluição. No momento, a China gasta US$ 91 bilhões ao ano com proteção ambiental, ou cerca de 1,3% do PIB. Os especialistas estimam que é preciso mais investimentos para que a despoluição seja realmente eficaz — qualquer coisa entre 2% a 4% do PIB, ou US$ 500 bilhões ao ano.

Indústrias visadas

Embora s fontes poluidoras variem conforme a região, o relatório do Greenpeace de 2012 atribui grande parte da culpa pela poluição na China ao carvão e aos gases dos escapamentos dos carros. Qualquer plano de limpeza deve levar em conta a produção de energia e o crescente contingente de donos de automóveis no país. Num relatório divulgado pelo Deutsche Bank em março, os especialistas se mostraram favoráveis à adoção de uma estratégia arrojada para lidar com a poluição nos próximos cinco anos. A China precisa de “medidas de grande impacto”, disse no relatório Jun Ma, economista-chefe do Deutsche Bank. “O público exige hoje ações imediatas e concretas do governo para melhorar a qualidade do ar.”

Entre as sugestões listadas no relatório estava a redução pela metade do crescimento médio do consumo de carvão nos anos de 2013 a 2017, baixando as expectativas do crescimento anual de 4% para 2%. De acordo com o relatório, a medida poderá ser complementada com um aumento da taxa de crescimento anual de fontes de energia limpa e com o emprego de tecnologias de carvão limpo que ajudariam a reduzir em 70% as emissões das usinas elétricas movidas a carvão.

Além disso, o relatório do Deutsche Bank aponta a diminuição das expectativas de crescimento futuro nas vendas de veículos de passageiros e sugere a adoção de regulações que aumentem a economia de combustível. Ao mesmo tempo, o relatório propõe aumentar o investimento nas opções de transporte público, como trens e linhas de metrô.

O relatório prevê que tudo isso seja feito mantendo-se ao mesmo tempo uma taxa anual de crescimento da economia de 6,8% — uma ligeira redução em relação às perspectivas atuais de 7,5% para 2013. Embora isso pareça bastante simples, baseia-se no corte pela metade da intensidade de energia por unidade de produção econômica — uma decisão que permitiria a continuação do crescimento econômico ao mesmo tempo que os aumentos de uso de energia entrariam em processo de desaceleração. Contudo, isso exigiria uma mudança na fabricação com uso intensivo de energia optando-se pelo aumento nas indústrias de alta tecnologia e de serviços. Esse processo poderia resultar em custos econômicos significativos.

A indústria de aço chinesa, por exemplo, é responsável atualmente pela produção de cerca de 46% do aço do mundo. A fundição do aço é um negócio de uso intensivo de energia e muito poluente. A diminuição dessa indústria levaria ao fechamento de fábricas e a demissões. Alguns especialistas esperam que esses custos sejam compensados pelo aumento no número de empregos mais favoráveis ao meio ambiente, como a área de saúde ou de turismo, porém o ajuste ainda assim poderá ser doloroso.

A questão dos carros chineses

Os esforços reiterados da China para aumentar a economia de combustível dos carros novos são um exemplo dos desafios que os órgãos reguladores enfrentam ao lidar com as questões econômicas associadas à despoluição. À primeira vista, o aumento da economia de combustível é uma coisa muito mais fácil de lidar do que o consumo de energia de modo geral. Na verdade, muitos desses programas são associados ao estímulo econômico, à oferta de dinheiro ao consumidor para que negocie seu veículo antigo trocando-o por outro novo que atenda os padrões mais elevados de economia de combustível.

Isso já vem acontecendo nos distritos e cidades de toda a China, diz David Vance Wagner, pesquisador sênior do Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT, na sigla em inglês). “A China decidiu introduzir com força total novos padrões de veículos”, observa Wagner. “Hoje, um veículo de cinco ou dez anos chega a emitir um volume de poluição 40 vezes maior do que um veículo novo. O aumento do número de veículos novos na estrada é uma forma bastante eficiente de limpar o ar.”

Essa troca — dinheiro por carro velho — chamada geralmente de “programa de descarte”, tem sido feita em nível local e nacional. No plano nacional, a China ofereceu US$ 3.000 por veículos antigos de 2009 a 2010 — não é suficiente, segundo Wagner, para mobilizar realmente as pessoas. No início do ano, Hong Kong anunciou que estava destinando cerca de US$ 1,3 bilhão para a remoção de 88.000 veículos antigos das ruas da cidade, oferecendo para isso subsídios na casa dos 30% do valor de um veículo novo. Pequim tem um programa de descarte próprio cujo objetivo é livrar a cidade de meio milhão de veículos antigos até o final de 2015. O descarte em nível local, porém, não é o ideal. “Muitos desses veículos são simplesmente transferidos para outras partes da China”, ressalta Wagner. “Para ser realmente eficaz, é preciso que o programa seja adotado no país todo.”

A dificuldade de introduzir um programa de âmbito nacional, porém, se deve à qualidade do combustível. Os veículos fabricados para atender padrões de emissão mais rigorosos exigem um combustível de qualidade mais elevada do que o combustível normalmente encontrado nas bombas dos postos chineses. O combustível de má qualidade pode comprometer algumas partes do motor. Refinar um combustível de alta qualidade, porém, custa caro. “Alguém”, diz Wagner, “tem de arcar com esse custo”.

Na China, o preço do combustível é fixado pela Comissão de Desenvolvimento e Reforma Nacional (NDRC, na sigla em inglês), embora o custo de refinação conte com o apoio de grandes empresas estatais como a PetroChina e a Sinopec. O Ministério de Proteção Ambiental (MEP) tem jurisdição apenas sobre veículos padrões. Sem condições de passar o custo do refino de alta qualidade para o consumidor, as estatais não têm incentivo para melhorar seu produto. O MEP passou a última década tentando negociar um combustível de qualidade superior com as companhias de petróleo, com a NDRC e com o ministério do Comércio da China.

Nos EUA, diz Wagner, os padrões de combustível podem ser fixados pela Agência de Proteção ao Meio Ambiente. As empresas de combustível podem então optar por mudar os preços da gasolina e transferir o custo para o consumidor na bomba.

Na China, porém, foi preciso que houvesse a célebre poluição do dia 12 de janeiro, que chamou a atenção dos principais líderes chineses, para que se chegasse finalmente a um acordo sobre a fixação de padrões. “Em janeiro de 2013, o impasse chegou finalmente ao fim com o episódio sem precedentes de poluição extremamente elevada em centenas das principais cidades do país”, conforme o relatório do ICCT sobre o assunto. Em fins de fevereiro, o governo chinês divulgou um cronograma exigindo que novos padrões de qualidade para o combustível, no caso o diesel e a gasolina, fossem divulgados no final do ano e aplicados no final de 2014 como parte da primeira fase de melhorias, e em 2017, na segunda fase.

“Agora, estamos esperando que os padrões sejam divulgados”, diz Wagner.

O ICCT estima que essas melhorias no combustível acabem por elevar o custo do combustível em 0,10 RMB por litro de gasolina. “Ninguém disse como isso será pago”, diz Wagner. Uma opção possível seria solicitar que o NDRC alterasse o preço do combustível na bomba, permitindo às refinarias transferir o custo. “É mais provável que haja um ajuste fiscal”, diz Wagner. Nesse cenário, a PetroChina e a Sinopec pagariam menos impostos pelo combustível de alta qualidade.

“Outro grande componente desse esquema são os padrões reais dos veículos”, diz Wagner. “Bastam alguns passos e a qualidade do combustível chegará lá. Depois, é preciso levar adiante a questão da qualidade dos veículos”. Isso, acrescenta Wagner, abriria caminho para um programa de descarte mais amplo. “Se é para descartar alguns milhões de veículos, é preciso ter certeza de que eles serão substituídos por outros mais limpos possíveis.”

Energias alternativas

A solução para os problemas de qualidade do combustível na China mostra que a preferência do país por medidas ambientais pode ser combinada com estímulo econômico ou aliviada através de isenções fiscais. Não há outra indústria que possa se beneficiar tanto dessa estratégia quando a indústria da energia alternativa.

Na verdade, a poluição dos últimos meses já impulsionou os fabricantes de painéis solares, uma indústria que precisa recuperar o tempo perdido. No final de janeiro, a China anunciou planos de aumentar suas metas em 67% até 2015 no que se refere à instalação desses painéis. Em 2012, as empresas de energia solar da China amargavam uma oferta excessiva de painéis e o preço dos títulos emitidos pelas empresas havia caído. Os preços dos painéis tiveram uma queda de 25%. Com o aumento da poluição, porém, um número maior de investidores se convenceu de que o governo da China continuará a dar suporte à prosperidade dessas empresas. Os preços dos títulos já começaram a reagir.

A disposição da China de aumentar o volume de energia limpa de modo geral passou de um aumento de 36 gigawatts de capacidade instalada, em 2012, para 52 gigawatts planejados para este ano.

Embora o aumento decretado de capacidade solar seja bom para a indústria doméstica, o crescimento em outras áreas deverá beneficiar as empresas ocidentais. “As empresas americanas e europeias estão felizes com a decisão da China de mudar de padrões”, diz Wagner. “Será, porém, uma mudança difícil para as companhias locais.”

Num relatório divulgado pelo Pew Charitable Trusts no início do mês, os fornecedores americanos de energia renovável e de produtos de gestão de energia tiveram um superávit comercial de US$ 1,63 bilhão com a China em 2011 de um total de US$ 8,5 bilhões em bens e serviços de energia limpa transacionados.

Além disso, o crescente investimento chinês em fontes de energia alternativa vem ocorrendo num momento em que outras nações estão recuando em relação a iniciativas similares. Embora a China esteja à frente na produção de palhetas de turbina e painéis solares, as empresas ocidentais lideram no segmento de alta tecnologia e equipamentos especiais necessários à operação dessas fontes de energia e sua conexão à rede.

Embora o compromisso cada vez maior da China com a limpeza impulsione algumas indústrias de energia limpa e adequadas ao meio ambiente, alguns especialistas temem que essas medidas apenas não sejam suficientes para melhorar a qualidade do ar. “Esperamos que sejam introduzidas também regulações mais rigorosas, da aprovação de novas usinas de energia movidas a carvão à divulgação de informações de fábricas e punição para aquelas que violarem os controles de emissão”, diz Wei. “Será muito difícil para a China despoluir seu ar.”  

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